sexta-feira, 5 de agosto de 2011

IMPUNIDADE




Mulher marcada para morrer recebe apoio de artistas




O nome da trabalhadora rural Joelma Dias da Costa está na lista de pessoas ameaçadas de morte por pistoleiros no Pará. Atores e atrizes vão a Brasília protestar contra a violência no campo. A reportagem é de Marcelo Canellas para o Fantástico.



A Revista O Globo, encarte dos domingos, traz sempre uma página “Dois cafés e a conta...” (por Mauro Ventura), com os bacanetes e outros supostos notáveis falando sobre tudo. No domingo passado (1º de Maio), a revista fez um gol de placa entrevistando Joelma Dias da Costa. Ela é sindicalista do Pará e está ameaçada de morte. Seu marido, também sindicalista, já foi assassinado.

A Agência pede licença e publica a matéria.

Dois cafés e a conta...
Por Mauro Ventura
...com Joelma Dias da Costa
Aos 48 anos, faz parte de uma lista de 18 pessoas do Sul do Pará publicamente marcadas para morrer – religiosos, sindicalistas, trabalhadores rurais. No livro “Crônica de uma morte anunciada”, de Gabriel García Marques, todo o vilarejo sabe que Santiago vai morrer, menos ele. Na cidade de Rondon do Pará, é diferente. Todos, inclusive as vítimas, sabem que estão com a cabeça a prêmio. Nos anos 80 e 90, havia outra lista, em Rio Maria, com 14 nomes – sete deles morreram, incluindo o marido de Joelma, José Dutra Costa, o Dezinho.

Os nomes das vítimas e dos mandantes correm de boca em boca, pelas vendas, bares, gabinetes oficiais. A história está no documentário “Esse homem vai morrer – Um faroeste caboclo”, de Emilio Gallo, que estreia dia 13 no Cine Glória. O DVD já está nas lojas. O filme tem música de Otto e será exibido depois pelo Canal Brasil.

Na produção, Dira Paes interpreta uma professora que denuncia inutilmente o problema. A história é costurada pelo padre Ricardo Rezende – sobrevivente da lista original. Em 2006, Joelma recebeu de Lula o prêmio Defensora dos Direitos Humanos. Da lista atual, quatro foram mortos. Joelma seria a quinta, mas Letícia Sabatella e Camila Pitanga chegaram a ir a Rondon do Pará denunciar as ameaças.

Revista: A senhora está na lista atual dos jurados de morte. Seu marido estava na primeira lista...

Joelma Dias da Costa: Ele foi presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rondon do Pará e passou oito anos sendo ameaçado. Recebia telefonemas e bilhetes anônimos. Vinha gente avisá-lo: “Você pode morrer a qualquer hora”. Ele passou seis meses escondido. O irmão de um pistoleiro avisou: “Tenha cuidado porque a fala que tem na cidade é que tu não vai passar o Natal com tua família”. Esse pistoleiro falhou na missão de matar meu marido e após 15 dias foi morto.

E como seu marido acabou morto, em 2000?
Apareceu lá em casa um jovem pedindo humildemente ajuda. Ele disse que o avô tinha falecido e queria encaminhar a pensão para a avó. Falou que sabia que o Dezinho gostava de ajudar as pessoas. Parecia realmente necessitado. Mandei minha filha caçula chamar meu marido, que estava na casa do vizinho. Deixei-os conversando na porta e, pouco depois, ouvi três tiros. Mesmo baleado, ele lutou. Os dois rolaram no chão e caíram numa vala. O pistoleiro, Wellington de Jesus Silva, foi preso em flagrante e condenado a 29 anos. Dois anos depois de preso, ganhou o benefício de passar o Natal com a família e não voltou.

A irmã Dorothy Stang, morta em 2005, estava na mesma lista que a senhora. Como está a situação na região?
Tive o privilégio de conhecê-la. Encontrava com ela em eventos, era uma pessoa meiga e boa. Você se sentia acolhida de conversar com ela. Tem muita terra no Sul do Pára. Mas o que acontece com frequencia é o fazendeiro comprar cem alqueires e se apossar ilegalmente de mil. Com isso, uma área que poderia assentar 300 famílias fica nas mãos de uma só pessoa. Os trabalhadores rurais ocupam essa terra que foi apossada, e os fazendeiros, que não têm o título de propriedade, a querem de volta. É uma queda de braço.

Um personagem do filme, também ameaçado de morte, diz: “A gente teme a qualquer momento receber um telefonema: ‘Mataram a Joelma’”. Como é sua vida?
Sou da coordenação geral da Federação dos Trabalhadores Rurais na Agricultura (Fetagri), regional sudeste, e coordeno 19 Sindicatos na região. Ando com dois policiais e não frequento ambientes muito abertos, como a festa de aniversário da cidade. Recebo as mesmas ameaças de meu marido: chamadas anônimas, perseguições, emboscadas. Certa vez, um pistoleiro foi ao Sindicato me matar, mas havia um policial e ele desistiu. Outra vez, em 2007, um pistoleiro chegou lá e me disse: “Vim para te matar. Eu sei que você é uma pessoa boa. Mas fui contratado. Se não matá-la, vou morrer.” Ele havia recebido R$ 2 mil, mas falou que se eu desse R$ 300 ele fugia da cidade. Expliquei que não tinha o dinheiro, mas que ia arrumar. Denunciei à delegada e, no dia seguinte, o pistoleiro foi detido. Ele ficou quatro meses preso e, um ano e pouco depois, apareceu morto. Antes da prisão, me disse quem era o mandante: o mesmo fazendeiro que mandou matar meu marido, e que só passou 12 dias preso.

Como é viver sob constante ameaça?
É triste, dá revolta. Você batalha por justiça, faz denúncias, expõe a vida da família, e a impunidade continua. Não quero isso para ninguém. Mas Dezinho era meu companheiro, eu admirava e acompanhava sua luta pela reforma agrária, contra os maus tratos, o trabalho escravo, o trabalho infantil. Então, tenho que mostrar que seu trabalho não foi em vão. Meus filhos (três mulheres e um homem, a mais velha com 27, a caçula com 22) já chegaram a me pedir que desistisse, mas me apoiam. É perigoso? É. Medo quem é que não tem? A gente se pergunta: “Será que vou terminar o dia viva?”. Mas não teria sentido toda essa luta se não acreditasse que vou continuar vivendo.
Eu digo sim à vida e não à morte.

Blog do colunista: www.oglobo.globo.com/rio/ancelmo/dizventura
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Email: mventura@oglobo.com.br

http://www.agenciasindical.com.br/Site2011/Noticias/4547-marcadaparamorrer.html

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